Leitura e reflexão: Gato que nasce no forno.

Foto: Verdade na Prática

*Zeca Mariotti Schmidt nasceu em Curitiba, PR, numa altura em que a sua mãe (italiana) e o seu pai (alemão), ambos industriais, passavam férias prolongadas no Brasil. Que nacionalidade (ou nacionalidades) poderá ter o nosso imaginário Zequinha? 

Pelo lado materno, o miúdo poderá obter a nacionalidade italiana, já que a Itália elegeu o critério inspirado no jus sanguinis (direito do sangue) e, ipso facto, poderá obter a nacionalidade alemã, porquanto o seu pai possui a nacionalidade alemã.

Quanto ao Brasil, como ficam as coisas? Deixando à parte o postiço caso apresentado, à luz da Carta Política pátria algumas são as hipóteses possíveis à concessão da nacionalidade brasileira. Vejamo-las resumidamente.

Preliminarmente, importa-nos esclarecer que a nacionalidade (do latim natio, nascimento) pode ser originária (ou de atribuição), se dependente da vontade estatal, ou derivada (ou de eleição), quando decorrente de ato volitivo do sujeito.

No direito brasileiro, a nacionalidade derivada (naturalização) é concedida aos “que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral” (CF, art. 12, II, “a”). Aos demais estrangeiros exige-se a residência na “República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira” (CF, art. 12, II, “b”).

Pelo princípio geral do jus soli, a nacionalidade originária é atribuída aos sujeitos “nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país” (CF, art. 12, I, “a”; transcrição enfática). Portanto, segundo o dispositivo constitucional, o pequeno Zequinha é mesmo um brasileiro nato.

Ocorrem mais dois casos de nacionalidade originária brasileira, ambos estribados no excepcional princípio do jus sanguinis. No primeiro, são brasileiros natos todos os que nascem “no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil” (CF, art. 12, I, “b”; sem grifos no original). No segundo, igualmente brasileiros natos são todos os sujeitos “nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira” (CF, art. 12, I, “b”; grifos originalmente inexistentes).

Saliente-se, ademais, que a nacionalidade e cidadania não se confundem. A nacionalidade é pressuposto da cidadania, pois lhe é anterior. A primeira contém a última. Observemos um caso histórico contemporâneo.

Em 27 de maio de 1992, Pedro Collor, o irmão caçula do então presidente da República Fernando Collor de Mello, concedeu uma entrevista a revista Veja, e, na oportunidade, alardeou que PC Farias, o tesoureiro da campanha presidencial, locupletava-se ilicitamente à custa do relacionamento com o presidente, também beneficiário do esquema ilegal.

A estrondosa revelação levou a Câmara dos Deputados a instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), e esta concluiu que o presidente era efetivamente sabedor da prática de corrupção e do branqueamento de dinheiro alegadamente praticado por PC Farias.
Com essa retrospecção, em 1º de junho de 1992 a Câmara dos Deputados, no uso do seu juízo de admissibilidade, considerou presentes e razoáveis os indícios justificadores à instauração do processo de impedimento contra o presidente. Por isto, admitiu a acusação pela prática do crime de responsabilidade presidencial, e, de logo, afastou Fernando Collor de Mello do exercício das suas funções constitucionais.

Na sequência, exatamente como ordena a Lex Legum, o Senado Federal instaurou o processo de impedimento. Lembro-me bem que um pouco antes de ser condenado pelo Senado Federal, o presidente afastado demitiu-se do cargo, numa heroica e inócua manobra destinada a evitar-lhe a iminente condenação. Da sentença condenatória resultou contra Fernando Collor de Mello a privação dos direitos políticos, a se restabelecerem após o decurso de oito anos de jejum.

Com este exemplo histórico, pode afirmar-se que, na altura, o ex-presidente Fernando Collor de Mello não perdera a sua nacionalidade brasileira, mas deixara de atuar plenamente como cidadão nacional, porque obstado de exercer os seus direitos políticos.

Para resumir uma longa lição que nos dá a grande doutrinadora Maria Helena Diniz, pode afirmar-se que a nacionalidade tanto significa o “liame jurídico que prende o indivíduo a um Estado em razão do jus soli ou de jus sanguinis”, quanto o “vínculo existente entre uma pessoa e um país em virtude de naturalização”.

De outra banda, De Plácido e Silva explicam-nos que o termo cidadania “deriva de cidade, não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas, mostrando a efetividade dessa residência, o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside”.

Apesar de toda esta lucubração a envolver o jus soli e o jus sanguinis, ainda estou com uma dúvida desgraçada:
O gato que nasce no forno é biscoito?

Autor: Magno Reis Andrade



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