7 filmes e séries que escorregaram feio na ciência

Por Fábio Marton

É verdade: cinema é fantasia, cinema é imaginação. Mas é um problema quando um filme se apropria da ciência, usando ela como ponto central no roteiro, e troca os pés pelas mãos. Causando urticária a chatos como eu (e Neil de Grasse Tyson), mas também prestando um desserviço ao respeitável público, que só ouve falar de evolução e wormholes diante da tela, grande ou pequena.

Nesta lista, Star Wars é café com leite. É um universo no qual existem fantasmas, ursinhos de pelúcia falantes e mágica (o que mais seria a força?).  E naves fazem “whoosh” no espaço, lasers se movem como balas com traçante, alguém pode acelerar até a velocidade da luz em dois segundos sem virar patê e… Enfim, ia levar um post inteiro. Os fãs que me desculpem, mas Star Wars está para a ficção científica como a República Popular Democrática da Coreia – a Coreia do Norte – está para democracia.

1. Matrix


Toda a série se baseia na ideia que as máquinas escravizaram as pessoas para extrair energia delas. O caso é que gente consome, não produz, energia. E isso vale para qualquer ser vivo, mesmo as plantas, cuja energia vem do Sol. E boa parte do que consumimos não vai para coisas que poderiam gerar energia, como o calor ou os músculos. Só o cérebro gasta 20% do que entra para ponderar se a Ponte Preta é melhor que o Inter de Limeira. Se as pessoas ficassem pedalando o dia inteiro (como neste episódio de Black Mirror) elas produziriam muito menos do que estão gastando. Se as máquinas simplesmente tacassem fogo no que quer que seja a meleca com que alimentam as pessoas, conseguiriam gerar muito mais, sem o inconveniente de criar um Keanu Reeves.

2. Walking Dead (e qualquer filme de zumbi)


Gente morta não se mexe (dã). Mesmo se algum tipo milagroso de vírus devolvesse a vida (desvida?) a elas, isso ainda seria impossível. Horas após a morte, os músculos travam norigor mortis, causado pela ausência do ATP, o combustível das células. Sem ele, eles não podem relaxar. O corpo só pode ser movido novamente dias depois, quando a decomposição simplesmente quebra as fibras dos músculos. Zumbis, assim, seriam mais moles que o arroz da Tia Clélia.

Tem mais. Por que os urubus ignoram os zumbis? Mesmo sem os urubus, depois de um ano, só resta a caveira – que também se decompõe um dia. Então, de onde vêm as centenas de corpos recentes, quando sobrou meia dúzia de desesperados no mundo (cada vez que alguém tropeça num galho, é um a menos)? Ou nos velhos clássicos, nos quais centenas de corpos recentes brotam de um cemitério.

3. Waterworld


Esse precisa apresentações. No desastre de bilheteria que afundo a carreira de Kevin Costner, o aquecimento global derreteu as calotas polares e o mundo inteiro virou um oceano. Na vida real, se todo o gelo do planeta fosse derretido, o nível do mar subiria 70 metros – suficiente para acabar com a casa da família em Guaraú, mas nem de longe sequer cobrir os morros cariocas, quanto mais o Everest.

 Outra: Costner desenvolve guelras como uma adaptação. Existe uma razão porque as baleias e golfinhos estão aí há dezenas de milhões de anos e não reinventaram as guelras. Para um animal com o metabolismo tão rápido quanto o de um mamífero sobreviver com o oxigênio da água, seria necessário que uma quantidade colossal passasse pelas guelras. Um humano teria que respirar 192 litros de água por minuto. Só se ele respirasse de um jet ski.

4. Lucy


Scarlet Johansson recebe acidentalmente uma dose enorme de uma droga experimental. Ao invés de morrer, ela ganha um superpoder. De usar o cérebro inteiro, o que causa telecinese (mágica).

Ok, repita comigo para nunca esquecer: não, não usamos só 10% da capacidade do cérebro. Não, não e ponto. O cérebro, já vimos antes, é um órgão gastador. Seria impensável, mesmo para alguém usando apenas 10% do cérebro, que a evolução criasse algo tão extremo para desperdiçar o potencial. Por isso mesmo, jamais qualquer cientista disse isso. Essa é uma lenda urbana surgida lá atrás, no início do século passado, e repetida até hoje.

5. Star Trek


Fãs, segurem suas pedras. Começo por dizer que a série leva a ciência muito mais a sério que a arquirrival Star Wars. Isto é, tirando uns furinhos básicos – o manjado som no espaço e o fato que as naves sequer existem num mundo onde o teletransporte é tão fácil. O real problema é um caso inexplicável de evolução convergente.

Vulcanos têm orelhas pontudas e um problema com metáforas. Klingons têm testa em formato de uva passa e tendência a usar espadas impráticas. Ferengi são mais feios que briga de foice em elevador. A diferença na evolução entre planetas distantes e a Terra é resolvida com uma testa de borracha.

Evolução convergente existe. O tatu, a tartaruga e o pangolim tem armadura pela mesma razão: escapar das mordidas. Insetos tem cara, como a gente, porque funciona melhor ter os olhos na frente que na ponta das patas. Mas, para um alienígena parecer quase exatamente como um humano, não só o planeta teria que ser igualzinho à Terra, mas toda a sua história evolutiva teria que ser também idêntica. Teriam que ter surgido vertebrados, depois mamíferos, depois primatas, depois hominídeos.

Enfim, só por Deus. Podem pegar de volta as pedras, que vou dizer: Star Trek é criacionista.

Também visto em: Guardiões da Galáxia e uma cacetada de outros. Basicamente, em qualquer um que o orçamento não cobriu marionetes mecatrônicas.

6. O Incrível Hulk


Na vida real, raios gama transformam pessoas em cadáveres, não um super-heróis. O último filme tornou Bruce Banner imune à radiação antes de ser exposto, mas tem outro problema, maior que o próprio Hulk após topar com o dedão no pé da mesa: de onde vem a matéria que forma seus músculos?

Matéria é constante. Você é formado pelos mesmos átomos dos dinossauros. Todo mundo sabe qual é o jeito de adquirir mais átomos: passando férias na casa da vovó. Ou o Hulk é inflável, feito de ar, ou teria que comer uma vaca para ficar grandão, e perder essa massa de algum jeito, quando volta a ser Banner. Melhor não pensar como.

7. X-Men



Vamos deixar de lado poderes mágicos como os de Jean Gray. Ou o fato que o Wolverine, assim como o Hulk, seria mais lariquento que o Salsicha e o Scooby Doo juntos, porque precisaria comer o equivalente a um braço para recriar um braço. O que é realmente esquisito é o Magneto.

Seus poderes se baseiam numa coisa bem mundana e conhecida: o magnetismo. E ele consegue usar isso para voar, usando um cinturão metálico ou – no segundo filme – uma placa de ferro criada na hora.

Pense, porém, que a força magnética não é antigravidade. É mais como um cordão invisível. Quando uma grua de ferro-velho prende um carro pelo teto, o peso do carro é transferido para ela. Quer dizer Magneto voar puxando a placa ou o cinto para si próprio é absurdo. É como você subir numa calota, tentar puxar ela para cima com as mãos, e achar que vai sair voando. Ou tirar a si mesmo da água puxando o próprio cabelo, como o Barão de Munchausen.

Pela mesma lógica, se ele tentasse levantar um navio ou, pior ainda, uma ponte, o peso seria transferido para ele. Mesmo se ele fosse o Superman (e não um velhinho/galã com força perfeitamente humana) acabaria afundando no chão. Se o movimento fosse de lado, como na cena da antena parabólica em X-Men: Primeira Classe, ele seria empurrado na direção contrária.

Fonte: Revista SuperInteressante