Foto: Jefferson Rudy |
O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, afirmou, nesta terça-feira (11), que não houve preciosismo do órgão na análise das vacinas Sputnik V e Covaxin contra a Covid-19.
Segundo ele, o mesmo rigor com que foram avaliadas as cinco vacinas já autorizadas para uso no Brasil foi aplicado para julgar a documentação enviada pelos fabricantes dos imunizantes da Rússia e da Índia.
No dia 26 de abril, a diretoria da Anvisa negou permissão para importação e uso emergencial da Sputnik V. Durante seu depoimento à CPI da Covid, no Senado, Barra Torres afirmou que mais de 14 itens da documentação enviada pelo Instituto Gamaleya, que é o responsável pelo imunizante russo, trouxeram uma preocupação muito grande e motivaram a negativa da agência reguladora.
De acordo com o presidente da Anvisa, a agência espera o envio de informações complementares pela União Química — farmacêutica que vai produzir a Sputnik V no país — para se manifestar a respeito da liberação.
“Esse processo que fizemos de negação de autorização excepcional de importação não deve a essa marca (Sputnik V) somar nenhum pensamento negativo. Isso faz parte do processo. Tão logo essa situação seja resolvida, não se credita a essa vacina nenhuma característica ruim. Não é essa, de maneira nenhuma, a nossa intenção”, declarou.
Alguns parlamentares questionaram o porquê de a vacina russa não ser aprovada, uma vez que a tecnologia empregada no imunizante é semelhante à utilizada pela Universidade de Oxford/AstraZeneca, que já recebeu sinal verde no Brasil. O presidente da Anvisa respondeu que afirmações importantes da documentação da Sputnik V não estavam acompanhadas de informações que permitissem a comprovação da qualidade e segurança do imunizante, por exemplo.
Ele citou alguns dos problemas que os técnicos do órgão encontraram: a presença do adenovírus com capacidade de replicação no corpo dos pacientes que receberem doses da vacina; ausência de estudos sobre a toxicidade reprodutiva do imunizante, ou seja, o impacto em fetos, espermatozoides e óvulos; e do relatório técnico da autoridade internacional que concedeu o registro inicial à vacina.
Apesar disso, Barra Torres afirmou que “não tem nenhuma porta fechada” para o imunizante.
Covaxin
No caso da vacina indiana Covaxin, o presidente da Anvisa justificou a negativa alegando que a empresa produtora não demonstrou como chegou aos resultados de potência do imunizante e não comprovou, também, a esterilidade e pureza da vacina. Além disso, também houve ausência de uma série de informações exigidas pela Anvisa nos processos de análises de outros fabricantes.
“Não conformidades identificadas representavam risco significativo à fabricação e à garantia de qualidade, implicando em risco sanitário aos usuários. A avaliação clínica dos dados disponíveis não permitiu, portanto, estabelecer um risco-benefício favorável à vacina”, elencou.
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Cloroquina
Como tem sido comum desde os primeiros depoimentos, senadores governistas e da oposição indagaram o depoente sobre a cloroquina. Logo no início da oitiva, Barra Torres, ao ser questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB/AL), posicionou-se contra o uso do fármaco para o tratamento de pacientes com a Covid-19, ao contrário do que defende o presidente Jair Bolsonaro.
“Até o presente momento, no mundo todo, os estudos apontam a não eficácia comprovada em estudos ortodoxamente regulados. Até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso na Covid-19. A minha posição sobre o tratamento precoce da doença não contempla essa medicação, por exemplo”, disse.
Barra Torres também confirmou que participou de uma reunião no Palácio do Planalto, no ano passado, em que se sugeriu a alteração da bula da cloroquina, para indicação do medicamento ao tratamento de pacientes com a Covid-19. O relato foi feito, inicialmente, pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Segundo o presidente da Anvisa, a doutora Nise Yamaguchi estava presente na reunião junto aos ministros Braga Netto, o próprio Mandetta, e um outro médico não identificado. Barra Torres disse que não sabe afirmar quem teve a ideia de alterar a bula, mas que Nise parecia “mobilizada com essa possibilidade”.
“Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi. Só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora, mas desde que solicitado pelo detentor do registro. Quando houve proposta de pessoa física de fazer isso, isso me causou uma reação um pouco mais brusca e eu disse que não tinha cabimento. Isso não pode.”
Pressão externa
O presidente da Anvisa também descartou que o governo federal tenha exercido pressão sobre a agência para aprovação ou reprovação de vacinas, tampouco para influenciar a recomendação da cloroquina para o tratamento precoce de pessoas com o novo coronavírus. “A maior pressão que a Anvisa sofre são 410 mil mortos”, declarou.
“Ele [Bolsonaro] defende sempre a Anvisa e, nesse ponto, tenho que agradecer às referências que ele sempre faz aos servidores. Naquilo que tange a influência ‘faça isso, faça aquilo’ o presidente nunca o fez.”
Barra Torres também disse que não tem conhecimento de um “assessoramento paralelo” do presidente da República a questões de saúde que envolvem o combate à pandemia, mas fez críticas ao posicionamento de Bolsonaro sobre a vacinação.
“Entendemos que a política de vacinação é essencial. Temos que vacinar as pessoas. Vejo que podemos estar mais perto de um momento melhor, o que passa pela necessidade da vacina. Discordar da vacina não guarda uma razoabilidade histórica. Penso que a população não deve se orientar por esse tipo de conduta”, disse.
Confira abaixo outras frases do presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, à CPI da Covid:
Postura na pandemia
"Destarte a amizade que tenho com o presidente, a conduta do presidente difere da minha nesse sentido. As manifestações que faço têm sido todas no sentido do que a ciência determina.”
Aprovação de vacinas
“No uso emergencial, nós avaliamos os pedidos em 9 dias corridos. Nenhum outro país no mundo aprovou nesta mesma velocidade. Todas as outras vacinas que depois vieram, inclusive as que tiveram registro, os nossos tempos são inferiores a qualquer agência mundial.”
Independência
“A Anvisa é formada por servidores concursados. São pessoas que vão servir ao Estado brasileiro por 30 anos. É uma agência de Estado, não é agência de governo. Trabalha para o estado brasileiro.”
Reportagem: Felipe Moura
Fonte: Brasil 61