Resistência à Lei Seca

Após 4 anos de tolerância zero na Lei Seca, motoristas ainda resistem a mudanças
A embriaguez ao volante foi responsável pela morte de 479 pessoas nas rodovias federais no ano passado. O número é praticamente o mesmo de 2012 – ano em que as penas para quem dirige depois de ingerir bebidas alcoólicas se tornaram mais rígidas – quando 485 pessoas morreram em acidentes nas estradas fiscalizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) por influência do álcool. No mesmo período, o número de acidentes ocorridos por causa da ingestão de bebidas caiu de 7.594 para 6.738, uma redução de 11%.

Na avaliação de especialistas, apesar de a Lei Seca prever multas, perda da habilitação e detenção para quem é flagrado dirigindo sob efeito de álcool, o comportamento dos motoristas mudou pouco nos últimos anos.

A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), que ajudou na elaboração da Lei Seca, estima que 54% dos motoristas brasileiros fazem uso de álcool antes de pegar o volante. Já a Pesquisa Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica que 24,3% dos motoristas afirmam que assumem a direção do veículo após ter consumido bebida alcoólica.

O diretor da Abramet, Dirceu Rodrigues Alves Junior, culpa a falta de fiscalização pela demora na mudança dos hábitos dos condutores. “Por falta de fiscalização, a população não adotou a regra de não beber ao dirigir. São poucos aqueles que assumiram essa condição, pouquíssimos são aqueles que não usam a bebida alcoólica na direção veicular”, diz.

Para ele, as barreiras policiais são feitas em poucas cidades e restritas a locais específicos, como a Vila Madalena, em São Paulo, e a Zona Sul do Rio de Janeiro, deixando de lado o interior e as periferias onde o uso de álcool também é uma realidade. O diretor da Abramet considera a legislação excelente, mas critica a aplicação. “Não houve mudança comportamental por falta de campanhas incisivas, continuadas, que se iniciem e não tenham fim. Para que a gente possa conscientizar as pessoas com relação a esse risco”, avalia.

Além de alterar os reflexos do condutor, o consumo de álcool afeta a sobrevivência dos envolvidos em um acidente de trânsito. Segundo a Abramet, o álcool reduz a capacidade de percepção da velocidade e dos obstáculos, diminui a habilidade de controlar o veículo, manter a trajetória e realizar curvas.

“Nós gostaríamos que as pessoas não associassem a direção de veículo automotor, seja automóvel, caminhões, ônibus, motocicletas, com o uso de álcool. Esse seria o nosso sonho. Para chegarmos nisso, vai depender de um tempo ainda e de investimentos em educação”, avalia o psiquiatra Arthur Guerra, diretor do Centro e Informação sobre Saúde e Álcool (Cisa). Para ele, já é possível notar uma mudança no comportamento dos motoristas, mas ela ainda é lenta. “Ainda não é a mudança que gostaríamos.”

Segundo a Polícia Rodoviária Federal, cerca de 8% dos acidentes com mortes nas estradas federais ocorrem por ingestão de álcool. “Não há o que se comemorar. O número [de mortes] ainda é muito grande considerando a publicidade e a importância que se dá ao tema. Poderíamos ter avançado mais”, avalia o assessor nacional de comunicação da PRF, Diego Brandão.

Para o delegado de Polícia Civil e professor de direito penal Marcelo Zago, do Centro Universitário Iesb, em Brasília, a mudança de hábitos no trânsito é um processo gradativo. Ele lembra que, há alguns anos, quase ninguém usava o cinto de segurança e as crianças andavam soltas no banco de trás dos carros, coisas que hoje são praticamente inimagináveis.

Segundo ele, a mesma lógica pode ser usada em relação à conscientização dos motoristas sobre a combinação de álcool e direção.

“Essa mudança é gradativa, acredito que está havendo uma mudança sim. E, apesar do aumento do número da frota, o número de acidentes vem se mantendo constante ou até caindo”, justifica.

acidentes nas rodovias
Desde 2012, a frota de veículos do país cresceu quase 20%, passando de 76,1 milhões para 91,1 milhões, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). O número total de acidentes nas estradas federais caiu de 184.562 em 2012 para 122.005 no ano passado, uma redução de 33%. No mesmo período, o número de mortes reduziu de 8.663 para 6.859, uma queda de 20%, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal.

Sabrina Craide* - Repórter da Agência Brasil Edição: Lílian Beraldo