Educação no trânsito

Especialistas destacam importância de educação no trânsito para novas gerações
Diza Gonzaga é fundadora da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga que faz ações de conscientização entre os jovens sobre a importância da responsabilidade no trânsitoDivulgação
Especialistas em trânsito destacam que, apesar da demora na mudança de comportamento dos motoristas, os jovens vêm assimilando o hábito de não beber antes de dirigir. “Eles vão às baladas sem carro, ou de táxi, de ônibus ou com os colegas, e acabam não tendo esse uso de álcool com automóveis”, diz o psiquiatra Arthur Guerra, diretor do Centro de Informação sobre Saúde e Álcool (Cisa).

Para ele, o cenário para o futuro é promissor e depende de investimentos em educação, tanto nas escolas, ensinando crianças sobre o problema, como em casa, com a responsabilidade dos pais de passar esses valores adiante. “O exemplo não é a melhor forma de ensinar alguma coisa, é a única. Se o pai e a mãe não puderem dar esse exemplo, não vai ser a cartilha que o filho vai estudar nos bancos das escolas que vai passar esses valores”, diz Guerra.

Há 20 anos, a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, de Porto Alegre, faz ações de conscientização entre os jovens sobre a importância da responsabilidade no trânsito. A entidade nasceu depois que o filho de Diza Gonzaga, Thiago, de 18 anos, morreu em um acidente de trânsito quando voltava de uma festa de carona com amigos. Diza conta que, nesse período, pôde observar de perto a mudança de comportamento entre os jovens em relação ao consumo de álcool antes de dirigir.

Diza Gonzaga é fundadora da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga que faz ações de conscientização entre os jovens sobre a importância da responsabilidade no trânsitoDivulgação

“Quando iniciamos, beber antes de dirigir era aceito socialmente. A frase que mais ouvíamos era 'eu até dirijo melhor quando bebo'. Hoje, quando vamos nos bares fazer as ações, o cara que tem a chave do carro e dá zero no bafômetro é festejado”, afirma Diza.

Segundo ela, a maioria dos motoristas flagrados em blitz da Lei Seca tem mais de 40 anos e ainda não mudou a mentalidade em relação ao hábito de beber e dirigir. “A gurizada já está achando o amigo da vez, pegando táxi, a namorada dirige”, diz.

Apesar de considerar que a punição aos responsáveis por crimes de trânsito ainda é falha, Diza acredita que, com educação, é possível mudar o cenário nos próximos anos, especialmente com investimentos em educação.

“Sou muito otimista. Não é uma questão de milagre, tem que trabalhar sério, o Estado tem que fazer o seu papel que é a fiscalização eficiente e a punição exemplar. A educação é um processo permanente, tem que começar lá na educação infantil e ir até a universidade. Não dá para achar que faz uma cartilha e distribui e estamos prontos, não é por aí”, analisa.

Internet

O uso das redes sociais para fugir das fiscalizações de trânsito também é uma preocupação da entidade. Diza Gonzaga quer levar o assunto para ser discutido por todos os conselhos de Trânsito dos estados. “Isso é o tal jeitinho brasileiro, que já tinha quando ainda não existia essa tecnologia. Aquela história de piscar o farol do carro na estrada para avisar que tem um policial rodoviário lá. Agora, a gente vai para o Twitter e vê onde tem blitz. Só que as pessoas que fazem isso não se dão conta que estão ajudando um assaltante, um traficante a burlar uma barreira e até ser assaltado mais adiante”, afirma Diza.

Uma proposta de mudança no Código de Trânsito Brasileiro para considerar crime de trânsito a divulgação de blitz em redes sociais e aplicativos foi encaminhada à Câmara dos Deputados pelo Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS). A proposta de projeto de lei federal prevê detenção de até dois anos ou multa para quem disseminar, divulgar ou difundir em redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas os locais, datas ou horários de atividade de fiscalização de trânsito.

Tolerância zero

Depois de perder o sobrinho Vitor Gurman, de 24 anos, que foi atropelado na calçada por uma motorista embriagada, Nilton Gurman fundou o movimento “Viva Vitão”, em 2011. Meses depois, ele conheceu Rafael Baltresca, que perdeu a mãe e a irmã em circunstâncias parecidas, e nasceu o movimento “Não foi Acidente!”.

As ações do movimento resultaram em 800 mil assinaturas para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular para estabelecer penas mais duras a quem dirige sob efeito do álcool. A ideia foi encampada pela deputada Keiko Ota (PSB-SP), que apresentou o projeto na Câmara dos Deputados. O projeto foi aprovado no plenário da Câmara no ano passado e agora tramita no Senado.

A proposta inicial do movimento era estabelecer penas de cinco a oito anos para crimes de trânsito que envolvam álcool e direção, além da tolerância zero para o consumo, ou seja, qualquer limite de álcool no sangue passaria a ser considerado crime. Mas o texto sofreu alterações na Câmara dos Deputados: a pena foi estabelecida em quatro a oito anos e a tolerância zero foi suprimida do texto.

“Para a gente isso é muito ruim, porque o motorista que não tenha antecedentes criminais e for apenado em uma pena mínima vai poder pagar a vida com uma cesta básica ou serviço comunitário, como acontece hoje”, diz Nilton Gurman.

Atualmente, um condutor submetido ao teste do bafômetro que apresentar qualquer quantidade de álcool no organismo pode ser multado em R$ 1.915,40 e ter a carteira suspensa por um ano. A partir de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar registrado no bafômetro, é considerado crime e o motorista pode ser preso. Para o movimento Não foi Acidente!, é importante estabelecer a tolerância zero para o consumo de álcool em qualquer circunstância.

Gurman explica que, atualmente, a pessoa pode se negar a fazer o exame de sangue ou o teste do bafômetro e que, neste caso, não há prova material para indiciá-la pelo crime. “Com a tolerância zero, qualquer médico pode atestar se a pessoa ingeriu ou não álcool, não precisa de um número”, diz.

A ONG está trabalhando para que, no Senado, o projeto volte a ter o texto original, que prevê o endurecimento das penas. “Estamos fazendo uma mobilização para que volte a redação original do projeto e a gente acredita que essa impunidade faz com que os números só cresçam”, diz Gurman. “O número de pessoas que bebem e dirigem e se recusam a fazer o teste de etilômetro é muito grande, então precisamos de leis mais duras. O nosso projeto não vai resolver na totalidade a questão, mas consideramos que vai ser um avanço”, avalia.

Para o advogado Mauricio Januzzi, que escreveu a proposta de alteração da legislação apresentada pela ONG, é preciso estabelecer uma proibição para qualquer quantidade de consumo de álcool associada à direção, com penalidades administrativas e criminais. “A lei atual está mal redigida, e ela insiste em um limite de tolerância, dizendo que é possível beber e dirigir. A nossa proposta diz que não há tolerância, bebeu e dirigiu, isso é proibido”, diz Januzzi, que é presidente da Comissão de Viação e Transporte da OAB-SP.


Sabrina Craide* - Repórter da Agência Brasil Edição: Lílian Beraldo
*Colaborou Daniel Isaia, de Porto Alegre