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Leitura e reflexão: A noite do depressivo.

Foto: Verdade na Prática



 A noite do depressivo



À medida que o Sol se põe, começa a minha busca pelo sono. 
Um processo tão natural, pois o homem não é bicho da noite; somos do dia e da luz,

Mas quando somos afetados por esta indesejável anomalia, nossa natureza se inverte,
E nos faz buscar a escuridão durante o dia,
Enquanto à noite nosso sono se esvai.

A noite para o deprimido é um horror,
O sono foge, as luzes se apagam, o silêncio fala alto, as pessoas desaparecem e resta-nos a nós mesmos, sozinhos naquela noite que nos ameaçou, nunca chegarmos ao fim.
Começam a chegar as companhias indesejadas,
Cada uma mais terrível que a outra, todas de tamanho e forma desproporcionais à realidade.
Chegam numa ensurdecedora algazarra,
Mas ninguém as ouve, apenas eu que serei sua vítima e motivo de escárnio por toda a noite.
O medo é sempre o mais falador; faz ameaças horríveis,
Mostra-me imagens assustadoras de mim mesmo, entregue à mais completa miséria, e, a todos a quem amo, as tais e os perigos que os cercam.

Com o medo chega também a rejeição, de aparência feia, semblante caído, sem brilho nos olhos…
Com mãos frias me toca, conferindo-me o seu desagradável aspecto.
Enche-me o coração de um sentimento de abandono e desamor a tudo, a todos e por todos.
Esconder-me, mesmo que na cama, debaixo das mais vulneráveis cobertas, é o que apazigua um pouquinho o drama deste horror.

A ameaça é irmã do medo, tem voz forte e ecoa de forma impressionante, 
Faz estremecer tudo o que há em nós,
Sua perversidade está no poder de aumentar o tamanho de tudo o que nos assusta,
Ela transforma em filmes reais de destruição e morte as circunstâncias mais normais da vida.
São cenas que nunca terminam, sequenciadas, mudam de uma para outra ininterruptamente.
Que me resta, senão rolar na cama a noite toda, numa tentativa inútil de evitar seus olhares?
Que me resta, senão me encolher todo, cobrindo cada pedacinho do meu corpo, numa inútil tentativa de me proteger do inexistente?
Que me resta, senão implorar pelo dia, quando me esconderei do Sol e de todos, mas de alguma forma pressinto que pessoas boas andam à minha procura e buscam comigo formas de me tirar desta dimensão da vida na qual me meti sem querer?

Os sorrateiros entram pelas frestas encontradas em meu esconderijo de pano. 
Seus nomes? insegurança, autopiedade, fracasso, desânimo, raiva, alucinação, ansiedade e desamor.
Seguram-me os braços e as pernas, tapam-me os ouvidos e a boca, fecham-me os olhos, e com suas unhas afiadas rasgam-me o peito em busca do meu coração; quando o encontram, o envolvem em incredulidade e o repõem no lugar, fechando de forma mágica o meu peito.

Suas maldades não terminam por ai, pois querem a minha mente.
Semelhantemente, conseguem seu caminho até à minha razão, consciência, pensamentos, lembranças, esperança e os vestem com camisas de força de cor cinza.
A esta altura, a alegria, a satisfação e a felicidade já fugiram, abandonando-me a sós nas mãos dos meus carrascos.

Foi mais uma noite agonizante, sofrida e dolorosa, mas o Sol raiou.
Todos se levantam e seguem com suas vidas sem imaginar o que passei. 
Uma caneca de café quente parece me trazer de volta à realidade.
Olho no relógio, são oito horas da manhã e às dez tenho médico.

Troco-me e vou ao médico narrar-lhe como foi a minha noite, na dúvida se de fato ele me entende, e, envergonhado, escondo-lhe detalhes para não lhe parecer um doido varrido.
Mas ele me entende e me ajuda a entender um pouco do que vivi à noite.
Prescreve-me algumas coisas, adverte-me de que a cura é longa e dolorosa. 
Saio dali com um pouco mais de esperança, caminho de volta à casa, uma parada na farmácia…
Contudo, embora caminhe entre a multidão, sinto-me sozinho.

A noite chega. Agora mesmo, sem muita esperança, tomo estes comprimidos e deito-me a aguardar até adormecer.
Acordo e olho no relógio: são sete da manhã. O Sol já dá o ar da sua graça.
Não me lembro de nada, sinto-me cansado, durmo um pouco mais e acordo outra vez: são nove horas.
Uma caneca de café quente ajuda-me a despertar, e começo a acreditar que posso sair de buraco profundo no qual me encontro.
Ouço as vozes dos que me amam,
Percebo que a alegria, a satisfação e a felicidade retornam, mesmo que timidamente, e sentam-se ao meu lado.
Depois de meses, dei o primeiro sorriso sozinho.

Há esperança!


Autor: Luis Alexandre Ribeiro Branco



Tambem publicado em:

Verdade na Prática 

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Geraldo Brandão

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