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No Brasil, "as mortes em casa totalizaram mais de 27 mil no período de 16 de março a 30 de abril representando um acréscimo de 10,4% em relação ao mesmo período no ano passado", dados divulgados em 7 de maio pelos cartórios no Portal da Transparência do Registro Civil.Isso vem ocorrendo em outros países nos quais os sistemas de saúde não têm suportado a quantidade de pessoas contaminadas pelo Covid-19.
Na Inglaterra, segundo o jornal The Guardian, foram registradas 8.000 mortes domiciliares a mais durante a pandemia do que no mesmo período de anos anteriores.
Nos EUA, onde existe o maior número de casos e mortes causadas pelo coronavirus, houve um aumento expressivo de mortes fora dos hospitais.
Em abril, na cidade de Nova York, um estudo apontou que o número de mortes em casa subiu para 200 por dia. Antes da pandemia, eram 20 a 25 por dia.
As pessoas estão com medo de procurar atendimento médico ao sentirem outros problemas de saúde nessa período o que resulta, segundo as certidões de óbito, 80% das pessoas morreram de problemas não relacionados à covid-19.
De acordo com Jason Oke, estatístico do Departamento de Ciências de Cuidados Primários da Universidade de Oxford, na Inglaterra, aponta três causas prováveis e simultâneas:
"Pacientes com covid-19 com quadro moderado, mas que pioraram repentinamente;
Pacientes com doenças terminais que provavelmente morreriam em hospitais mas, em meio à pandemia, acabam temendo a hospitalização e ficam em casa;
Pacientes com outros problemas médicos, desde sinais de mal-estar que podem ser de um infarto até um AVC, por exemplo. Com medo de se infectar, esses pacientes estão evitando buscar atendimento médico e perdendo acesso adequado ao serviço de saúde.
Nesse último caso, os pacientes podem acabar morrendo não por causa do coronavírus em si, mas como um efeito colateral da pandemia."
Continua Jason Oke:
"No momento, é difícil determinar com certeza, mas é provável que essas três coisas estejam acontecendo juntas", em entrevista à BBC News Brasil.
"Ainda não temos dados completos, e não é que as pessoas estejam sendo impedidas de ir ao médico, mas há menos exames de câncer e menos cirurgias sendo feitos, e há evidências também de que as pessoas estão fazendo menos consultas e evitando ir aos hospitais."
O epidemiologista Paulo Lotufo, professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP, acrescenta a essas hipóteses, que "os estragos que o novo coronavírus pode causar no corpo, e que, em alguns casos, vão muito além do quadro gripal ou do comprometimento pulmonar."
"A gente inicialmente achava que o vírus causasse só uma gripe ou, nos casos mais graves, uma pneumonia. Mas não é só isso. O vírus atua também no sistema circulatório, elevando o risco de uma morte súbita em casa por doenças cardíacas".
Outro efeito "terrível", diz Lotufo, "é que há casos em que o vírus "atua no sistema nervoso central, fazendo com que o cérebro deixe de identificar a baixa oxigenação do pulmão. Alguns pacientes relatam uma sensação de bem-estar mesmo estando péssimos. Chegam no hospital com oxigenação muito baixa, quadro em que normalmente estariam em coma, mas chegam conversando".
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que, "na impossibilidade de se hospitalizarem todos os pacientes da covid-19 por causa das limitações do sistema de saúde, os que tenham sintomas leves (a ampla maioria) podem ficar em casa, "desde que eles possam ser acompanhados e cuidados por membros da família".
"Se e quando possível, um elo de comunicação com um provedor de cuidados em saúde ou com um profissional de saúde deve ser estabelecido durante o período de cuidados em casa, até os sintomas do paciente passarem", é o que recomenda a organização.
Segundo o médico Bharat Pankhania, professor palestrante da Escola de Medicina da Universidade de Exeter (Reino Unido), especializado em controle de doenças infecciosas, "Como não há um monitoramento diário desses pacientes (por profissionais de saúde), existe o risco de as coisas darem errado muito rapidamente" disse o médico em entrevista a BBC.
Continua Bharat Pankhania, "o principal sinal de alerta para pacientes e cuidadores, é a sensação de cansaço extremo ao fazer atividades cotidianas, além da falta de ar e letargia. É o sinal de que o paciente precisa de suplemento de oxigênio."
"Se a tempestade de citocina atacar, pode causar muito dano ao corpo e fazer o paciente piorar rapidamente", diz Pankhania, prosseguindo, "é preciso chegar ao médico antes que uma pneumonia viral se instale, porque se ele já tiver a pneumonia, também já pode ser muito tarde".
Também, segundo associações médicas é que, assim como na Inglaterra, no Brasil o número de atendimentos médicos relacionados a outros problemas que não a covid-19 tem diminuído bastante.
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica e da Sociedade Brasileira de Patologia aponta que em torno de 50 mil brasileiros podem ter ficado sem diagnóstico de câncer entre 11 de março e 11 de maio, período onde poucos exames foram realizados.
Todo esse cenário tende a afetar proporcionalmente mais a população pobre, diz o médico Pankhania, da Universidade de Exeter.
"São os mais pobres os que têm mais chances de morrer em casa."
"São eles que têm de perseverar mais, sair para trabalhar porque não podem fazer reuniões pelo Zoom, enfrentar aglomerações. As pessoas mais ricas têm a quem chamar e têm mais chances de serem observadas (por médicos). Com tudo isso junto, a covid-19 é uma espécie de eliminadora de pessoas pobres, porque as afeta de modo muito desproporcional."
São muitos os alertas dos conselhos de medicina, como o CREMEB para que as pessoas não deixem de continuar seus tratamentos e consultas por medo do Covid-19.