Hipnagogia: Estar meio dormindo e meio acordado é chave para a criatividade

The Huffington Post  |  De Carolyn Gregoire



Todo mundo conhece os dois estados básicos de consciência: estar dormindo ou acordado. Mas o que acontece entre esses dois estados?

Nas fronteiras entre a vigilância e o descanso há um estado de consciência estranho e fascinante caracterizado por visões oníricas e ocorrências sensoriais estranhas. Os psicólogos chamam esse estágio de “hipnagogia”, mas séculos antes de ser cunhado o termo para descrevê-lo os artistas já o usavam para encontrar algumas das suas melhores ideias.

O surrealista Salvador Dalí chamava a hipnagogia de “soneca com chave” e a usava como inspiração para várias de suas pinturas.

“Você tem de resolver o problema de ‘dormir sem dormir’, que é a essência da dialética do sonho, pois é um descanso que caminha na corda invisível que separa o estar dormindo do estar acordado”, escreveu Dalí no livro 50 Segredos Mágicos para Pintar.

A autora inglesa Mary Shelley também disse ter tido a inspiração para o personagem Frankenstein de um “sonho acordada”, nas primeiras horas da manhã, escrevendo: “Vi com os olhos fechados, mas com uma visão mental aguçada”, segundo o Guardian.

Neste estado, a mente está “fluida e hiperassociativa”, gerando imagens que podem “expressar camadas de memórias e sensações”, explicou a pesquisadora dos sonhos Michelle Carr no Psychology Today.

Você tem a experiência de alguns fenômenos do sonho quando ainda é capaz de estar acordado e de lembrar deles.
– Milena Pavlova, neurologista
Parecido com a fase REM do sono – o estado de sono profundo, quando ocorrem os sonhos --, a mente tem ideias, pensamentos, lembranças e emoções, fazendo associações livres e distantes entre vários conceitos diferentes.

Mas, diferentemente da fase REM, durante a hipnagogia você está consciente o suficiente para estar pelo menos saber parcialmente o que está acontecendo.

“Pode haver fragmentos de movimentos rápidos dos olhos ocorrendo em um estado não-REM, quando a pessoa não está completamente dormindo”, disse ao Huffington Post Milena Pavlova, neurologista que estuda sono e transtornos circadianos no Brigham and Women’s Hospital, em Boston.

Há boas chances de que você tenha experimentado a hipnagogia, mesmo que não soubesse exatamente o que estava acontecendo. Poucas pesquisas foram realizadas sobre o tema, mas eis o que sabemos sobre seus mistérios.

Entre dormir e estar acordado

O termo hipnagogia vem das palavras gregas para “sono” e “guia”, sugerindo a transição entre estar acordado e dormindo.

Neste estado, que dura no máximo alguns minutos, você está essencialmente num limbo entre dois estados de consciência.

“Você fica num estado entre o dormir e o estar acordado tem a experiência de alguns fenômenos do sonho quando ainda é capaz de estar acordado e de lembrar deles”, disse Pavlova.

O que acontece no cérebro para criar esse estado viajandão de consciência? Durante a hipnagogia, os cientistas observaram tanto ondas cerebrais alfa – o modo dominante quando estamos despertos mas relaxados, quando sonhamos acordados ou meditamos – e teta, que são associadas ao sono restaurador. Tipicamente, essas ondas cerebrais são observadas separadamente, e essa combinação única possa ser a explicação para as visões e sensações incomuns do estado hipnagógico.

O estado também é marcado pela redução da atividade no córtex pré-frontal, que se envolve em planejamento, tomada de decisões e comportamentos sociais.


De certa maneira, a hipnagogia é o melhor dos dois mundos. Você tem o fluxo de ideias e associações que acontece na fase REM – quando o cérebro revisa e processa memórias, pensamentos e sensações --, mas está acordado o suficiente e meio consciente do que está acontecendo.

Por essa razão, alguns artistas consideram a hipnagogia uma rica fonte de ideias e inspiração.

Visões vívidas



Uma ilustração inspirada no trabalho de Salvador Dalí, criada por Tom Borgman, do St. Louis Post-Dispatch em 2004

A hipnagogia é uma viagem e pode gerar alucinações visuais e perceptivas bizarras. É normal que as pessoas relatem visões oníricas, sons, flashes de luz e cor, insights e pensamentos malformados.

“Tipicamente, há muitas imagens”, disse ao ScienceLine Deirdre Barrett, psicóloga clínica da Escola de Medicina de Harvard.

“Às vezes imagens estáticas, às vezes segmentos curtos em movimento e ocasionalmente narrativas mais longas, como sonhos durante a fase REM. Às vezes elas são acompanhadas por sons.”

Mas, quando essas imagens são muito vívidas ou perturbadoras, elas podem indicar algo mais sério – um transtorno do sono chamado alucinações hipnagógicas. Esse tipo de visão muito realista também é comum na narcolepsia.

“Isso significa ver coisas que não existem ao pegar no sono”, diz Pavlova. “É um transtorno relacionado à hipnagogia.”

O que ocorre é que as chaves do cérebro estão mudando de desperto para dormindo, mas não estão em perfeita sincronia.

“Parte do cérebro está no mundo desperto, e parte não está. O que você está vendo não está lá”, explica ela. “É muito parecido com os estágios de sonho do sono.”

Para quem não tem transtornos do sono, a hipnagogia pode ser usada para gerar insights criativos, pois ela oferece um caminho livre para o subconsciente e para a intuição, as fontes dos momentos “a-ha!” que parecem surgir do nada quando a mente racional está ocupada com outra coisa.

“A hipnagogia é o caminho mais curto de comunicação com o nosso subconsciente”, disse ao ScienceLine Sirley Marques Bonham, pesquisadora de consciência da Universidade do Texas em Austin. “Seu subconsciente pode mandar soluções por meio de imagens ou de outras sensações.”

Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e traduzido do inglês.