A escola tem papel fundamental na saúde mental de uma criança

HuffPost Brasil  |  De Amanda Mont'Alvão Veloso




Uma sala de aula abriga crianças dos mais diferentes repertórios culturais e com os mais diferentes comportamentos.

Todas estão sujeitas às mesmas regras escolares e ao convívio comum, mas cada uma reage à sua maneira. Sem contar que cada experiência vivida entre os muros da escola – e fora dela – faz parte da formação de personalidade desses pequenos sujeitos.

Tais reações particulares dizem muito a respeito da saúde mental de uma criança e do ambiente familiar dela, e a escola tem papel precioso no equilíbrio emocional de seus estudantes.

Agressividade, desinteresse, ansiedade, rebeldia, introversão, problemas de comportamento em geral, vitimização, dificuldade na fala, de ir ao banheiro, de sono, de aprendizagem ou de alimentação podem ser sintomas de que essa criança merece atenção e cuidados próximos, sobretudo da escola, que recebe boa parte da interação desse(a) aluno(a).

“É importante que o professor e escola conheçam um pouco do perfil de seus alunos, por meio do contato com os pais, inclusive. Assim, tendem a perceber alguma alteração ou necessidade com mais facilidade”, explica a psicóloga e psicanalista Raquel Baldo Vidigal, que atende crianças em seu consultório.

Uma criança introspectiva e com dificuldade de aprendizagem pode simplesmente ser míope e não enxergar pela falta de óculos, ou estar passando por uma situação emocional que não tem ideia de como resolver. A escola, por meio dos professores, diretores e até mesmo os colegas, pode ser um espaço sensível a essas pistas que a criança deixa vazar.

Uma vez percebido esse sinal, a abordagem deve ser particular e feita com delicadeza, além de estar de acordo com os valores que a escola e os pais compartilham.

Comumente se buscam profissionais comportamentais para lidar com o(a) aluno(a), mas, segundo Vidigal, a experiência dela com saúde mental infantil restringe a possibilidade de olhar além do sintoma visto. “Uma linha mais aberta, talvez com enfoque psicanalítico, pode mostrar que há algo a mais a ser considerado e acolhido no sintoma da criança e isso pode envolver pais e escola.”

O padrão e o fora do padrão; o bullying dos colegas; a temida aula de educação física, que exclui os não habilidosos nos esportes; trabalhos em grupo de vez em quando forçados; professores rígidos que intimidam e a cobrança desmedida por desempenho são situações que costumam ser familiares e podem afetar uma criança de maneira bastante intensa, já que ela ainda não tem uma defesa psíquica sólida.

Apesar da importância, a saúde mental de crianças ainda não tem a atenção necessária no Brasil, aponta a psicóloga Patricia Leila dos Santos, professora-doutora do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade de São Paulo (USP), em seu estudo Problemas de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes Atendidos em um Serviço Público de Psicologia Infantil.


“Por vezes o termo saúde mental fica restrito ao atendimento psiquiátrico, desconsiderando-se sua abrangência e a contribuição de várias disciplinas no atendimento de crianças e adolescentes com problemas emocionais e comportamentais.”
O mesmo estudo lembra que, segundo relatório da Organização Mundial de Saúde citado pelo Ministério da Saúde em 2005, 30% dos países não têm políticas de saúde mental e 90% não têm políticas de saúde mental que incluam crianças e adolescentes.

“A saúde mental de uma criança ainda é muito frágil e em algumas etapas de vida, é machucada mais facilmente”, pondera Vidigal. É por isso que a escolha da escola é tão importante. Os pais devem enxergar nela uma continuação de suas crenças e ensinamentos, explica a psicanalista.

“Há pais que criam seus filhos com ideais que entendem como livres, mas matriculam seus filhos em escolas tradicionais que prezam, acima de tudo, o resultado. Ou mesmo o inverso: pais tradicionais, com regras firmes, que colocam seus filhos em ambientes criativos. Em ambos os casos, podemos pensar que buscam certo equilíbrio e a ideia parece atrativa, mas o mais comum é causar grande conflito na criança, que tende a se ver entre dois meios, dois desejos e pressões diferenciadas sobre ela.”
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Young Minds Matter é uma nova série dedicada a tomar a dianteira nas conversas com crianças sobre saúde mental e emocional para que elas se sintam amadas, valorizadas e compreendidas. Lançada pela duquesa de Cambridge como editora-convidada do The Huffington Post UK, a série vai discutir problemas, causas e sobretudo soluções para o estigma envolvendo crise de saúde mental entre crianças britânicas.