Embraer e Docas são acusadas de perseguir trabalhadores na ditadura militar

Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil Edição: Jorge Wamburg

A Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) foi acusada hoje (2) de perseguições políticas e demissões durante o regime militar, principalmente durante e depois das diversas greves lá ocorridas na década de 80, e o presidente da empresa na época, coronel Ozires Silva, confirmou que “seguia ordens do regime”, durante audiência na Comissão Estadual da Verdade, da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Confrontado com documentos encaminhados pela Embraer ao Ministério da Aeronáutica com nomes de empregados que faziam parte do movimento sindical e grevista na empresa, Ozires Silva, que, em 1983, autorizou os militares entrarem na empresa para reprimir a greve, declarou: “Era uma empresa de propriedade da Aeronáutica e, portanto, havia uma ligação muito forte e nós cumpríamos as determinações que vinham [de lá]”. Mas disse não saber como a Aeronáutica tinha acesso a informações sobre os trabalhadores da empresa na época.

De sua criação, em 1969, até 1986, a Embraer foi presidida pelo engenheiro, coronel e ex-ministro Ozires Silva, e, em dezembro de 1994, foi privatizada, durante o governo Fernando Henrique Cardozo. Durante a audiência, ex-trabalhadores da empresa relataram perseguições políticas e demissões, como nas greves de 1983 e 1984, por reivindicar melhores condições de trabalho e redução da jornada. Como represália, muitos foram presos, fichados e interrogados sob acusação de terrorismo. Eles acusam a empresa, também, de ter mantido uma lista com nomes dos grevistas e que era repassada a outras empresas, impedindo os trabalhadores de conseguirem empregos na região.

“Fui interrogado por um capitão da Aeronáutica e demitido [após a greve]”, contou Getúlio Guedes, ex-empregado da Embraer. Após a demissão, ele procurou emprego em outras grandes empresas, sem sucesso. Na época, o recrutador de uma grande empresa lhe disse para procurar emprego em pequenas empresas porque nas grandes ele não conseguiria: “A Embraer mandou aqui uma lista de nomes e você está nela. Procure emprego em pequenas empresas senão você não vai conseguir”. Em 2012, por causa dessas perseguições, 125 ex-trabalhadores da empresa foram anistiados pelo Estado e receberam indenizações trabalhistas.

Na saída da audiência, em entrevista a jornalistas, Ozires Silva disse que não havia nada que ele pudesse fazer na época, embora presidente da empresa, para evitar a colaboração da Embraer com o regime. “Na realidade, nunca foi minha vocação, como presidente da Embraer, questionar o regime sob o qual eu vivia. Inclusive, o governo era proprietário da minha companhia e, evidentemente, se eu brigasse com o dono da companhia, eu cairia fora. A Embraer era uma empresa de propriedade do governo. Brigue com o seu presidente [disse ele virando-se à jornalista da Agência Brasil] e diga que não concorda com ele. Ele simplesmente vai colocá-la na rua”, disse ele.

Outra empresa que teve sua atuação na ditadura militar investigada hoje pela Comissão da Verdade foi a Companhia Docas de Santos, empresa privada, que em 1980, após o término do período legal de concessão da exploração do porto de Santos, transformou-se na Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), empresa de economia mista hoje vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República. Trabalhadores da companhia, em depoimento, disseram ter sido perseguidos e demitidos após greves na empresa e relataram a presença de militares dentro da companhia, na época.

“Temos vários casos de trabalhadores que foram punidos, não com demissão, mas que sofreram uma sorte de perseguições. Há trabalhadores, por exemplo, que levaram 20 dias de suspensão”, disse Antonio Fernandes Neto, que escreveu um livro sobre a história dos trabalhadores de Santos durante a ditadura, Nem os Pombos Apareceram no Cais, que será lançado no próximo dia 17, em Santos. Um dos pedidos feitos por trabalhadores, durante a audiência, foi para que a Docas abrisse seus documentos referentes à ditadura militar. O pedido deverá ser encaminhado pela Comissão Estadual da Verdade à empresa.

Representando a Docas na audiência, Rodrigo Octavio Franco Morgero, do Departamento Jurídico da empresa, disse que esse tema era desconhecido pela direção: “Desconhecemos, em caráter oficial, a presença de qualquer órgão de repressão dentro da companhia”, afirmou ele, durante a audiência pública. Sobre o pedido feito pelos trabalhadores de abertura dos arquivos, Morgero não saber soube dizer se ele poderá ser atendido pela empresa, mas que isso será analisado.



- Assuntos: Embraer, perseguições, Comissão Estadual da Verdade, demissões, regime militar, Docas de Santos